"A vida em um breve comentário"

"Pare e pense."

domingo, 24 de agosto de 2008

Na esquina,no prédio,na feira ou no mercado,há sempre uma cotinha.


Virgínia vem com duas sacolas de mercado,cabisbaixa, com olhar perdido e expressão pensativa.Passa distraída e dobra a esquina da praça, quando encontra D.Carlota a vizinha de rua,duas casas ao lado da sua.

-Olá Giginha,como vai sua mãe?-interrompe D.Carlota Virgínia em seus devaneios.
-Ah,vai bem D.Carlota-Responde Virgínia,pensando irritada,o porque de D.Carlota ainda chama-la de Giginha,seu apelido de infância,considerando que Virgínia beira os vinte anos.
-E o seu pai,como está na nova casa?Nossa,deve estar sendo muito difícil para sua mãe,ser largada depois de tantos anos de casamento,ela praticamente doou os melhores anos da vida dela ao seu pai a você e o Luizinho.
E é tão difícil pra se arrumar alguém nessa nossa idade,Deus me livre se Rodolfo me larga,acho que vou para um convento!

Sempre tão agradável a D.Carlota,pensa com ironia Virgínia.D.Carlota é quem Virgínia,em um de seus mais pérfidos dias,ou melhor,qualquer pessoa em um dia ruim,menos quer encontrar ao dobrar a esquina da praça.A fofoqueira de plantão,envolta de morais e princípios que ela mesma desafia,ao destilar os mais amargos detalhes da vida alheia do bairro.E ela,justo Virgínia,filha de Gertrudes,a mais nova separada do bairro,irmã mais nova de Luizinho,o "arruaceiro juvenil",justo ela no seu dia de crise,foi topar com a Cotinha do bairro.Ela conformada com o destino de dar de frente com tão desagradável conversa,responde sempre muito educada,com sua voz mais forçadamente paciente.

-Pois é né D.Carlota,essas coisas nunca são fáceis pra ninguém,em idade alguma,a dor maior ou menor é sempre dor.Minha mãe é boa e trabalhadora,logo ela se recuperará.
-É sim querida,sua mãe é mesmo muito boa,foi um pouco relaxada com o casamento com seu pai,afinal homens são homens e nós precisamos relevar certas besteiras que eles fazem.Mas e você querida,está namorando?Nunca te vimos com rapaz algum neste bairro,e algumas de suas amigas já estão quase com o pé no altar.Você completa vinte este ano não?

Como ela fala!Meu Deus,como alguém pode gastar tanto tempo de sua vida observando e sabendo da vida amorosa dos outros?-Pensou Virgínia.
Também,o que mais ela tem a fazer,a não ser cuidar da casa e fofocar,já que seu marido aposentado vive jogando gamão na praça ou bebendo umas a mais no bar?Sem maldades,para não cair na soberba e acabar como uma D.Carlota da vida,é claro.Virgínia ficou com vergonha e com uma raiva contraditória em si.Ela não sabia do que,nem de quem sentia mais raiva e vergonha,de si ou de D.Carlota,a vizinha de duas casas abaixo.Sim,pois,ela sentia uma raiva de ser uma pessoa tão complicada e por nunca ter arranjado alguém,ou mesmo ter tido a sorte também,ou a raiva e vergonha por uma senhora sem filhos pra da vida cuidar e um marido que se revesava entre a praça e o bar.Pensou,e ficou calma mais uma vez,quanto a sua mãe "ter sido relaxada com o casamento",nem discutiria,não valia a pena,e mesmo cutucada a sua maior ferida dos últimos dias,ela achou melhor mesmo não cair no fel da vizinha.

-Sim,faço vinte anos nesse próximo mês.E quanto a eu nunca ter aparecido com rapaz algum no bairro,talvez fosse porque rapaz nenhum
conquistou a posição de ser minha companhia pelos meus passeios bairris,se é que a senhora me entende.Aliás, não é a senhora
mesmo,que diz que essas garotas da minha idade são espevitadas demais ao trocar com tanta frequência de par?Pois então,olha como a tenho em grande valia,eu sigo bem a risca os seus tão sempre úteis conselhos.

Touchet!Essa enrubesceu D.Carlota,que sem graça,mas disfarçando, respondeu:

-É verdade minha filha,não tem que ser mesmo como essas meninas vulgares,que pensam que agradam,mas que já ficaram com a moral mais suja que corrimão de prédio público ao olhos dos homens.Só cuidado,para não acabar como aquela amiga da sua mãe,aquela lá solteirona fumante,que tem jeito de sapatão,aproveite que faz vinte esse próximo mês e já fique de olho pra fisgar um homem decente minha filha,senão só vão te restar os piores!Mas já vou indo,tenho que ir ao mercado pra comprar a mistura do almoço,está muito grande a fila do açouque?
-Não,estava maior quando cheguei,agora está mais sossegado o mercado.E pode deixar,que de ser feliz nessa vida eu vou cuidar.
-Até logo querida,e não fique triste,bonita desse jeito,pelo menos algum moço vai te cortejar.Mande um beijo para Gertrudes.
-Ah,obrigada(ufa!ela já está caminhando em direção á esquina da praça).Até,mandarei.

Virgínia,caminha até o meio da praça,quando atravessa rua em frente ao bar e vê seu Rodolfo bêbado mais uma vez,piscando pra ela ao passar.
Diante a essa visão,sua raiva por D.Carlota,e todas suas ofensas,á sua mãe,irmão,amigas e até a D.Magali a amiga"solteirona" super boa gente da sua mãe,ela resolve perdoar.E mais,aquele peso de ser a única moça solteira do bairro,que nunca namorou,e nunca fora correspondida,também passa,afinal,de que adianta casar com alguém se for para uma D.Carlota se tornar?

A partir daí Virgínia sorri,e segue descendo a rua até sua casa,feliz por
poder compreender as pessoas e perdoar.Um dia o moço de Virgínia há de chegar,e se não chegar?Bom,acho que ninguém acha que Virgínia,a doce e determinada Virgínia,de cabelos compridos castanhos e olhos grandes irá assim terminar,não é mesmo?Mas isso fica pra outra estória...

Fim.

Um comentário:

Dyane Priscila disse...

De fato, ninguém, espera que ela vá ficar sozinha, sei moço bonito, docê e educado, vai chegar!

Com certeza, gostei do texto. E conheço essa história!

Beijos vizinha!